quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

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alguns deuses rastejavam entre as folhas, cruzando olhares sobre a terra húmida, respirando a cor das lagartas. o princípio do mundo era ainda visível ao fundo, nos campos de trigo, e o fim do mundo estava pousado sobre o passeio de ardósia, além das flores. os animais cantavam e gesticulavam a cabeça harmoniosa de prata. depois, nada.
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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Das cousas que ouvi mas preferia não ter ouvido

É notícia desta quarta-feira a intenção do famoso casal McCann em subsidiar a campanha com dinheiro oriundo da imprensa. O porta-voz da família, Clarence Mitchell, o tal que tem um coração demasiado grande para um tronco inglês e deixou o governo para se juntar à causa, afirmou:

"Os canais de televisão e jornais têm vindo a ganhar dinheiro com esta história ao longo de oito meses, através do aumento nas audiências e nas vendas de jornais. Esse dinheiro nunca chegou ao fundo e pensámos que está na altura de trazer algum retorno comercial à campanha."

É uma daquelas frases que ficam a ecoar no crânio impreparado e que a cada palavra revelam sentidos obscuros. Tentamos de todas as formas encaixá-la e forçá-la a um discurso normal, mas não conseguimos. Damos-lhe trinta e duas marretadas e ainda assim a sua forma gelatinosa sempre se dá a desvios de significado que a soltam.

Depois de muitas tentativas de salvar a frase, resta-me concluir que Clarence Mitchell, ou o casal McCann, levantam agora um problema de Propriedade Intelectual. Ou seja, existe uma história, e essa história é amplamente usada e divulgada pela Imprensa que, obviamente, incrementa lucros com ela através da subida das audiências e da publicidade (pessoas que não viam televisão e jornais, passaram a fazê-lo ao que parece). A Imprensa usou a história, mas não pagou aos seus autores, violando assim os Direitos de Autor.

Visto isto e lida a citação: quem são então os autores da história?

Jogos de Poder (2007)














Charlie's Wilson War

Em primeiro lugar lamento que o meu primeiro texto sobre cinema neste blogue tenha por tema um filme tão pobre. Mas, enfim, vi-o hoje e a vida não é feita só de bons vinhos. Adiante.

Como experiência estética este filme (Charlie's Wilson War, no original) em nada justifica a ida ao cinema, pela simples razão do cinema ser pago e a televisão gratuita. A saturação narrativa disposta ao longo dos seus 97 minutos bombardeia sobre o espectador quantidade tal de informação à espera de ser montada, que este mais não faz durante o filme do que acompanhá-lo e tentar correr tão depressa quanto ele. Esta é uma estratégia sempre comum à televisão para não deixar espaço ao espírito critico, mas pouco apreciável em cinema. Como já disse, o cinema é pago. À unidade. E o espectador sempre gosta de olhar o filme olhos nos olhos.

A nível dos planos e da montagem, é usado frequentemente o contracampo e situações com duas personagens, como convém a um filme que pouco mais faz do que ilustrar o seu argumento. Não que eu esteja a desmerecer o realizador Mike Nichols. Simplesmente não há espaço para ele. A montagem traz-nos de tempos a tempos imagens da televisão e reportagens no Afeganistão a lembrar-nos o tema do filme e as suas pretensões de veracidade. Tendo em conta a dramatização excessiva das personagens, a sua tendência falsa para fazerem grandes actos e serem vulgares em simultâneo, e a forma como o filme reduz uma guerra às acções de algumas pessoas - ridicularizando os soviéticos quando necessário, cujos pilotos discutem a sua vida sexual enquanto bombardeiam aldeias -, diria que a história do Capuchinho Vermelho bem filmada tem mais de verdade do que este Jogos de Poder e os seus tiques verídicos.

No meio de tudo isto há, obviamente, o comentário político, que é, aliás, o grande propósito do filme. Hoje em dia, continua-se ainda a pensar que o poder do cinema e as repercussões sociais dos seus avisos, são também válidos para os maus filmes. Jogos de Poder diz-nos claramente que não se pode invadir um país e abandoná-lo, em referências concretas, embora diversas, ao Afeganistão e ao Iraque. As consequências daquele Afeganistão entregue a si mesmo que é referido no final de Jogos de Poder são hoje bem conhecidas. Mas isto, dito pela boca dum mau filme, de que interessa? Não possui qualidade cinematográfica para sublinhar os seus argumentos e influenciar quem quer que seja.

Se lhe desse uma nota dava 2 - de 0 a 5 -, querendo dizer que é mau filme mas visível, ou seja, ninguém morre por ver o filme... mas, mais uma vez, há o dinheiro. Acho que também dava 2 a uma boa noite de televisão...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Dos Gatos Vadios

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Sem ser holandês pilhou-se uma orelha
àquele gato outrora ameno e branco.
De si já não resta uma só centelha.
O pobre ouve mal. É cinzento e manco.

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sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Das cousas que se vê sem querer e se diz serem próprias da arte

Das cousas que se vê sem querer e que metem o espectador a espiolhar sem o intencionar faz-se o melhor que a arte tem para dar. São buracos de fechadura sem limites e imaginários que furam e serram a pálpebra mais cerrada. É assim o artista um grande criminoso quando força o seu público a ver o que lá não tem lugar e o leva a ignorar o que se encontra defronte dos seus próprios olhos. Um criminoso de crimes desejáveis, pois claro, muito embora atentem contra a sempiterna realidade.

Já é bem famoso o sorriso de Gioconda e aqui se presta a notória ilustração, que de ser sisuda cessou-lhe o direito e o dito riso não se pode observar, senão auscultar. Mas é de minha opinião que dos menos famosos também reza a história e bastará talvez que um pobre tolo lhes empreste alguma glória.

Por essa razão vos digo que não prestem apenas confiança ao mercado social da arte, mas também ao mercado que tendes confinado nesse estimado crânio vosso e não deixem falecer sem um elogio aquela luz incerta que haveis visto num certo fim-de-tarde, aquele cerrar de dentes homicida no riso dum qualquer palhaço, o embaraço poético dalgum apresentador de telejornal, o andar enigmático e pouco linear dalgum animal que convosco se cruze, o rodopiar majestoso dalguma folha caída em que mais ninguém tenha reparado. Rezo pois porque saibam reconhecer, leitores, o sorriso de Gioconda que há em todas as cousas e não somente nas legitimas dos mercadores de arte. Fique bem claro, que em minha opinião, a arte dos artistas não é de má qualidade mas, pobrezinha, em nada lembra a que os dispensa...

Tenho dito, o mundo é feio e feito do que se vê sem reparar. A arte não é só bela, mas é, acima de todas as outras cousas, matéria daquilo em que se repara sem se ver.

Tenha então o mundo sempre um nome, e a arte não mais que uma parelha de cousas.

Das cousas que aqui venho fazer

Para bem entreter com muito querer e para nada fazer sem qualquer prazer, toma-se por igual tanto a língua afiada como a queimada. Sem preocupações de maior, venho aqui dar azo das cousas que vejo, das que ouço e das que sinto por paladar ou olfacto. Das cousas que há lugar na cultura e da cultura das cousas que não há em lugar algum.